Opinião - A Igreja do meu Pai

Outro dia conheci um jovem que me indagou: - O senhor é pastor?
Respondi: - Sou sim, prazer.
Entusiasmado ele continuou a conversa: - Meu pai também á pastor e eu ajudo na igreja do meu pai.
Fiquei profundamente intrigado com a afirmação “na igreja do meu pai”. Parei a conversa por aí, mas fiquei pensando comigo mesmo sobre como pode a igreja ser do pai do jovem. Definitivamente isso está fora do meu conceito de Igreja. Seria a Igreja propriedade do pai dele? Fui até a Wikipédia buscar a definição de “propriedade”. Eis o que encontro: “é o direito exclusivo que uma pessoa física ou jurídica tem sobre determinado bem, podendo transformá-lo, consumi-lo ou aliená-lo”. Seria este o conceito de Igreja do jovem? Seria de fato a Igreja um empreendimento particular do pai do jovem?
Tudo bem, vivemos num país de liberdade religiosa e cada um pode ter a sua própria definição sobre Igreja. Porém, sempre defendi que a Igreja antes de mais nada é a união de pessoas que crêem em Jesus Cristo. São pessoas que, pela necessidade de terem comunhão, formam um grupo, uma comunidade. Também por necessidade escolhem alguém com o dom da pregação da Palavra de Deus como seu pastor e guia espiritual. Assim foi o processo de formação das primeiras comunidades cristãs, principalmente a partir das pregações do Apóstolo Paulo, que viajou por todo o império romano. A partir disso, grupos de pessoas passaram a se reunir para aprender mais sobre a Palavra e então necessariamente pessoas do grupo foram escolhidas para serem os intérpretes da Palavra. Também foi assim com as primeiras famílias evangélicas luteranas que chegaram ao Brasil. Elas se organizavam em comunidades e, pela falta de pastores, escolhiam alguém do seu meio para lhes servir de pregador e professor.
Percebemos nos exemplos anteriores que o processo de formação de uma comunidade sempre se deu pela vontade de um grupo todo. Jamais pelo desejo particular de uma pessoa em querer ter uma igreja. Mas, parece que o conceito de Igreja como comunidade é que anda difícil de ser vivenciado. Parece que esse modelo de igreja quase empresarial vem agradando os seguidores de Jesus Cristo. Quando a igreja é do pastor pode-se ter a liberdade de ir na igreja do pastor tal, ou do irmão fulano, ou do bispo siclano, ou do apóstolo maior, dar o dízimo e receber a bênção espiritual ou material e não ter compromisso com mais nada. O que importa é que EU seja abençoado. É quase como ir no restaurante, servir a comida, pagar e degustar. Se não gostar, troca de restaurante. E isso tem obrigado a muitas igrejas variarem o seu cardápio de cultos. Tudo para agradar o freguês. Tem culto para agradar a todos os gostos, culto da vitória, da conquista, do sucesso, da felicidade, etc. - Garçom por favor, hoje quero ouvir uma palavra de vitória e conquista com bastante molho de alegria. Se o produto agradar e o marketing for bom (talvez isso explica o fato de muitas igrejas estarem comprando espaços na mídia), então o sucesso do empreendimento está garantido. Porém, quando o garçom aprendeu o ofício e se desentender com patrão, este também funda um novo empreendimento. E assim segue o permanente processo de fundação de novas igrejas no Brasil. Com isso estabelece-se outra conseqüência: a disputa por fiéis. E a luta é nítida, basta olhar para a mídia e veremos pastores acusando pastores, igrejas que usam de marketing (estratégia humana) para ter sucesso na disputa de atração de fiéis, vendendo uma idéia que a sua igreja é a escolhida, a melhor. Usando desta estratégia obrigam os fieis dizer frases do tipo: - essa igreja mudou minha vida, quando eu a conheci tudo mudou. Ou ainda: -esse pastor é o mais poderoso e capaz de realizar grandes milagres.
Dizer “A Igreja do meu Pai” está certo. Porém, não como um empreendimento particular. A Igreja é de Deus, Pai de todos nós. É por meio do seu filho Jesus Cristo que ele cria na terra a instituição chamada Igreja, que tem a missão de continuar propagando o seu Evangelho. A verdadeira Igreja é e sempre será aquela que nasce da necessidade de pessoas ouvirem a Boa Nova do Evangelho. A Igreja sempre será a comunhão de pessoas, que escolhem para si um pregador. É uma instituição com espaço para a vivência da comunhão, com partilha de dons e serviço. É uma instituição sem proprietário, que democraticamente escolhe pessoas para administrá-la, definir suas ações e de forma transparente administrar o dinheiro ofertado pelos membros. Por fim, a Igreja não pode ser um lugar onde se busca apenas as bênçãos pessoais. É claro que Deus deseja nos amar individualmente. Porém, esse amor nos leva também ao encontro de outras pessoas, de modo que um seja bênção para os outros. Como disse Lutero – é compromisso do cristão ser como que um pequeno Cristo para os outros. O amor de Deus também impulsiona a Igreja cristã a questionar e ajudar e transformar no que for possível, as grandes dores deste mundo, entre as quais citamos, a violência do capitalismo selvagem, a fome, a guerra, a corrupção e muitas outras.
Assim, a Igreja surge da vontade de Deus, por meio de pessoas, que tocadas pelo Espírito Santo, se reúnem para ouvir a Palavra de Deus. E, tocados e orientados por essa palavra e pelo amor de Deus, colocam-se a disposição para transformar este mundo no Reino de Deus.

P. Fábio B. Rucks
Giruá - RS