Folga, tempo livre, férias, existe isto?

A contar pela observação dos movimentos que as pessoas fazem, não temos, como sociedade humana, acordo sobre o sentido daquilo que chamamos de férias, feriado, folga ou tempo livre. Viajar, por exemplo, entre Porto Alegre e o litoral norte do Rio Grande do Sul, ou entre São Paulo e Santos, em dias que iniciam ou encerram períodos de férias e feriadões, nos dá uma idéia do caos no qual está emaranhado aquilo que uma boa parte dos terráqueos chama de folga. O tema é, pois, essa contraditória ocupação do que chamamos de tempo livre. Podemos até mesmo duvidar de que exista algo como tempo livre e folga. Será que não deveríamos falar de períodos diferentemente ocupados, pois como chamar de folga tudo o que acontece, por exemplo, na noite de sábado para domingo, na noite de Natal e na noite do Ano Novo?

O livro sagrado de minha comunidade, a Bíblia, conta que o Criador do céu, da terra e de nós mesmos abençoou e santificou sua obra de sete dias, porque descansou no sétimo dia (Gn 2.2-3). Isto mesmo: ‘abençoou e santificou porque descansou’ e não ‘abençoou, santificou e descansou’. O Criador não trabalhou seis dias e descansou um, como às vezes se diz. A obra foi de sete dias e o descanso fez parte dela. Disto vem que o descanso é uma obra de santificação e bênção de toda e qualquer obra. Podemos, então, nos imaginar que existe a obra abençoada e santificada e existe a obra simplesmente. A diferença entre as duas é a obra do descanso que faz parte de uma e não de outra.

A discussão não é se existe tempo livre ou não, mas se o descanso faz parte da obra ou não. Na verdade, deveríamos entender que o espaço conhecido como tempo livre, folga, domingo, feriado ou mesmo férias, faz parte, em forma de bênção e santificação, da obra que realizamos.

Para abordar este tema sensível, o texto sagrado usa, na língua hebraica, o verbo SCHABAT, via de regra, traduzido como sábado ou descanso, mas que em Gênesis 2.2 tem o sentido de parar. É, por exemplo, o mesmo sentido que tem o verbo usado quando a Bíblia relata que parou de chover no dilúvio (Gn 8.22) e quando parou de cair o maná no deserto (Js 5.12). Sábado é, pois, a capacidade de parar. No contexto da obra de criação do mundo, este verbo aparece junto com o verbo MALAH, que tem sentido de completar. Quer dizer que, quando o Criador sentiu sua obra completa, parou.

Como sociedade humana, os terráqueos de hoje estão pagando o preço por não incorporar estes dois verbos em sua cultura produtiva. Se da obra humana tivesse feito parte o sentido dos verbos completar e parar, não teríamos chegado à degradação ambiental cuja conseqüência já sofremos e que está aí por causa do conceito de desenvolvimento e exploração sem limites, guia das obras da sociedade humana em toda a sua idade industrial.

                                                                                     Leonídio Gaede
                                                                              Vice-Pastor Sinodal
                                                                       Sínodo Vale do Taquari